Quantas camadas podemos acessar de alguém a partir de um primeiro encontro? Há quem acredite que as conexões verdadeiras acontecem de maneira instantânea, à primeira vista, no primeiro toque ou na primeira palavra dita, porém outros acreditam que conexões são construídas pelo tempo ou momento, e é a partir destas conexões que irei analisar as obras “Queen & Slim” e “Kila & Mauna”.
No filme Queen & Slim iniciamos vendo o que parece ser o primeiro encontro de dois desconhecidos. Nesse primeiro momento ambos não possuem muita química, conversam sobre a comida, sobre como foi o dia de cada um e resolvem ir para casa. No caminho, ambos são parados por um policial que tem uma abordagem agressiva, tornando a situação cada vez mais tensa. Após o policial disparar a arma contra Queen, Slim se vê na obrigação de defendê-los e atira no policial, resultando na morte do mesmo. Esse é o momento em que a conexão entre Queen e Slim é criada. Já em Kila e Mauna, acompanhamos duas amigas que tiveram um afastamento após o terceiro elemento do grupo desaparecer e, na esperança de reencontrá-la, ambas se unem novamente.
No caso de Kila e Mauna, mesmo as personagens tendo uma conexão anterior, é interessante observar como o tempo de afastamento fez com que cada uma entrasse em sua jornada de autoconhecimento, e que a partir do reencontro fez com que elas se apresentassem novamente uma para a outra, dessa vez, expondo suas fragilidades e criando uma nova camada de intimidade. Mauna se torna uma pessoa menos orgulhosa quando é a primeira a se desculpar e reconhece que sua comunicação pode ser falha causando conflitos. Kila expõem suas inseguranças demonstrando ainda ser muito apegada ao passado e aos momentos que o trio viveu, deixando de apreciar essa nova fase da vida que pedia uma separação e entrando em uma busca obsessiva de alguém que nem gostaria de ser encontrada.
Em Queen & Slim os personagens também se permitem se conhecer novamente, tomados pelo momento de serem uma dupla de foragidos, eles se tornam novas pessoas, chegando a ter até mudanças físicas. Sem citarem seus antigos nomes em nenhum momento, eles adotam as personas Queen e Slim e se dão a chance de um segundo encontro. Queen, que antes possuía um postura rígida e não permitia outras pessoas entrarem na sua vida, se mostra cada vez mais sensível e expõe cada vez mais suas feridas que foram abertas no passado, conseguindo se permitir ser acolhida por Slim, que aqui possui o papel de porto seguro. Ele não se responsabiliza e nem pega o peso da dor de Queen para si, mas realiza seu desejo de ter alguém que beije suas cicatrizes enquanto ela mesma tenta se curar. Slim, que sempre tentou ser a pessoa mais correta dentro da sua realidade, após o acidente começa a mudar seu senso de justiça. Queen o mostra, com sua vivência como advogada, que a justiça não serve a todos e assim ele vai perdendo sua inocência, mas se mantém esperançoso pelo amor que nasce entre os dois.
A relação entre as obras poderia ter se dado por outras características como ambos serem Road Movies protagonizados por personagens que representam os grupos mais marginalizados dentro da nossa sociedade, negros e travestis, mas conseguir ter um olhar sensível sob essas histórias também faz parte do processo de humanização desses corpos.
Em ambas histórias temos esse momento onde conseguimos ver em tela quando um personagem acessa o íntimo do outro e a ligação é estabelecida. Kila e Mauna possuem uma relação construída pelo tempo e rompida pelo momento, já Queen e Slim possuem uma relação construída pelo momento, tornam o tempo irrelevante para se considerar aquela conexão verdadeira e exaltando o afeto como aquele que transcende todas as barreiras.